Deve fazer um ano que deixei o blog às traças e isso me entristece de certa forma, mas a volta me revigora para escrever sobre coisas que amo, afligem, perpassam. O texto de hoje é especial, pois é sobre uma história importante para minha formação no ensino médio e abriu meus olhos para as possibilidades. Sinto como se a forma como levo minha vida hoje seja um desrespeito a essa história e outras tão significativas quanto. Quero compartilhar um pouco dos meus sentimentos sobre "Slam Dunk" e seu último filme: "The First Slam Dunk". Este texto será um pouco mais solto, com comentários que vão além do filme em si, então farei um esforço para a leitura ser mais tranquila e menos confusa como as anteriores.
Há muito tempo estava morrendo de ansiedade para assistir esse filme, contei cada microssegundo desde o anúncio da produção. Pensei que iria ter de assistir através da pirataria mesmo, até ano passado quando o filme foi distribuído em circuito fechado aqui no Brasil, mas que infelizmente não pude ir ver. Agora, com o material na internet, finalmente pude apreciar a estreia do mangaka, Inoue Takehiko, como diretor de cinema adaptando seu maior clássico. Em meu resumo, deu para notar como minhas experiência em apenas tentar ver o filme foi cheia de indas e vindas, mas a pergunta que não quer calar é: Foi bom?
Uma das sequências iniciais desse filme pode ser descrita como o próprio autor desenhando do zero cada um dos personagens do grupo principal, os jogadores do colégio Shohoku, desde a construção da estrutura de seus corpos até a arte finalização. Ver esses personagens renascer em minha frente, pelas mãos de quem os criaram, foi muito forte e sintetiza o que pensei enquanto via "The First Slam Dunk", de sentir como se estivesse experimentando a comida mais gostosa da minha vida outra vez, como conhecer o amor de sua vida pela segunda vez, ler seu livro favorito novamente. Após ser muito impactado pelo material original, o mangá, é de se esperar que ver o filme não tenha o mesmo impacto pelo fato de não ser possível viver as mesmas coisas outra vez. Porém, Inoue conseguiu criar nesta animação uma experiência em pé de igualdade a original, eu vivi de novo aquele jogo final e foi mágico.
Ao lembrar de quando li "Slam Dunk", transporto-me para a cabeça do Felipe de 2019, alguém bem mais inseguro e com muito receio sobre seu futuro, ao me olhar se questionaria se viveria o que vivi depois do ensino médio seria verdade ou uma piada de mau gosto de algum viajante do tempo. Em retrospecto, foi uma leitura importante nesse período formativo como leitor e a ver o mundo de forma menos negativa, me fizeram alguém melhor. Traçando paralelos com os personagens, estava mais próximo do ressentido Mitsui do que do positivo Miyagi. "Slam Dunk" foi como um ponto de virada na minha vida.
Lembro de tomar contato com o mangá através de outro trabalho do autor, o mangá "Vagabond", que é muito conhecido pela sua grande perícia em desenho e apelo ao realismo/naturalismo, mas por algum motivo decidi ir para sua obra de esporte menos comentada na minha bolha da internet. Esse é o tipo de mangá muito bom para introduzir alguém nessa mídia, com personagens carismáticos, uma boa leitura, momentos empolgantes e pontos extremamente sensíveis ou emocionantes. É um dos primeiros trabalhos do Inoue e mesmo assim ele sabia muito bem o que fazer com a história que tinha criado.
Sobre seus personagens, é engraçado como o time é formado por pessoas meio encrenqueiras e orgulhosas, sobrando para o capitão do time segurar as pontas para o time não desmanchar. Sobre o capitão, Akagi é aquele tipo de personagem que gosta de mostrar um pouco de marra para os outros, mas por dentro é um indivíduo de grande coração. Mesmo não simpatizando com a maioria dos membros por um tempo, o que faz ele manter a cabeça fria e cuidar das desavenças é sua grande determinação em virar um profissional do basquete quando sair do ensino médio. Para isso, precisa continuar jogando nos campeonatos intermunicipais para ganhar destaque. O que gosto no arco do personagem é sua jornada em descobrir que sua felicidade não estava no basquete, mas sim seu amigos estarem junto dele, tanto que no fim ele acabou não virando um jogador (apesar de ser um fim aberto à interpretações).
Alguém com um arco semelhante ao de Akagi é o protagonista do mangá, Sakuragi Hanamichi, que passa pelo processo de descobrir sua paixão pelo basquete. Ao contrário do capitão do time, Sakuragi é alguém sem disciplina e não vê graça em fazer algo sem ser vadiar com seus amigos, ou seja, alguém que valoriza as pessoas ao seu redor, mas não sua própria forma de levar a vida. Mesmo se divertindo, ele constantemente procurava diversas garotas dizendo estar apaixonado e sempre levava um pé na bunda. Isso foi se repetindo até conhecer a irmã mais nova de Akagi, dizendo amar basquete e recomendado Sakuragi a entrar no time da escola pelo seu físico atlético e grande estatura. É engraçado pensar que o Sakuragi passou a jogar basquete apenas para agradar uma garota, em busca do amor de sua vida, mas foi no lugar mais improvável era onde estava sua verdadeira paixão. Ao longo da história, o protagonista deixa de falar do basquete como um esporte ridículo para alguém que nutre um carinho genuíno pelo esporte.
O próximo do grupinho é o rival de Sakuragi e o terror com a mulherada, Rukawa Kaede, um verdadeiro gênio de sua geração, mas que, diferente dos dois personagens anteriores, não tem garra alguma para jogar. Rukawa era tudo que Sakuragi desejava ser ao entrar no time, isso gerou inveja e conflitos dentro e fora de quadra. A postura do personagem leva o público a se perguntar sobre sua apatia em relação ao resto do time. Em quadra, ele era fominha e orgulhoso, sempre cometia um erro por conta de sua atitude, mas culpava o time por não o acompanhar. As coisas só mudam quando ele percebe não ser o melhor do mundo, mesmo com talento ainda precisava se esforçar para ser melhor, e aí é onde mora o coração de seu desenvolvimento. Ver sua jornada de sair do pedestal em que se colocou para jogar com respeito e igualdade com o resto do time é muito interessante, com o fechamento de seu arco sendo simplesmente a cena mais icônica de todo o mangá.
Em total oposição, o personagem que também foi considerado um gênio de sua geração e de extremo orgulho é o cestinha Hisashi Mitsui, o veterano do segundo ano que largou o basquete e se tornou um típico delinquente japonês (Yankii). Ele era alguém apaixonado pelo esporte e fazia de tudo para vencer, mesmo com seu talento não deixava de se esforçar. Comparado aos demais, parece o mais bem resolvido, contudo possui o pior problema de alguém que pratica esportes coletivos, se achar a estrela do time. Quando ingressou no colégio Shohoku, acabou tendo um problema no joelho nos primeiros dias de treino, porém sua ânsia por jogar o impediu de se recuperar plenamente. Resultado: ele sofreu de um ferimento muito mais grave no joelho, o deixando fora de quadra por muito mais tempo. Enquanto se recuperava, via seu time seguindo sem ele, como se não fosse tão necessário, e isso o levou a largar o basquete e se tornar alguém amargo e sem coragem de voltar para as quadras. Sua jornada tem muito haver com sua reaproximação com o esporte que ama, mas também de aceitação da ajuda das outras pessoas.
Time da Shohoku se abraçando com Miyagi em foco |
Percebam como os arcos narrativos dos veteranos, Akagi e Mitsui, conversam com os novatos, Sakuragi e Rukawa. Ao longo da história, os personagens vão se entendendo e convivendo em harmonia conforme aprendem mais sobre si. Realmente uma história bem amarrada e que anda quase que sozinha de tão bem escrita, mas falta algo... Ah, também tem o Miyagi Ryota! Bem, ele... sabe, ele tá lá com a galera e ele cuida dos passes no jogo e tudo... um personagem importante em quadra e... acho que só.
Desde a minha primeira leitura, fiquei incomodado como Miyagi não foi nenhum pouco aproveitado, sem um arco bem definido, história de fundo ou momentos marcantes e, no fim, fica a impressão que o personagem se resume a uma ferramenta para as partidas andarem. Ele tinha certos momentos de interesse na história, até porque se não tivesse ninguém gostava dele, mas acho um consenso que isso nem se compara aos momentos de interesse que outros personagens têm na história. Caso duvide, basta ler novamente sobre os outros quatro personagens e ver que faltava muito para o Miyagi ser tão relevante quanto os outros.
Reparem quando digo que faltava esse trabalho em cima do personagem, parece que o próprio Inoue pensava nisso e aproveitou esse filme para corrigir isso com uma boa história de fundo e objetivos que o personagem busca através do basquete. Para ser justo, em 1998, o autor já se mostrou insatisfeito com seu trabalho em relação ao Miyagi e escreveu um One-Shot intitulado "Piercing" que conta sobre como o personagem conheceu a manager do time, Ayako, e sobre o início do romance entre os dois (recomendo a leitura, principalmente para quem viu o filme). Essa história foi exatamente a próxima coisa que peguei para ler depois do termino do mangá de "Slam Dunk", sem saber da relação entre os dois, então foi uma grata surpresa terminar e ver quem eram essas duas crianças apresentadas, mas reforçou a insatisfação de não ter visto isso dentro do mangá original. Ainda assim, é apenas uma passagem muito breve e que poderia ser mais trabalhada. Onde está esse luto pelo irmão na história original? Para completar essa lacuna, chega "The First Slam Dunk".
Sota e Miyagi em seu esconderigo // Ayako e Miyagi em caminhada noturna |
Ao iniciar o filme, os fãs de longa data sem dúvida ficaram surpresos ao verem que o protagonismo é mudado, passando a ser do personagem Miyagi. A história abre com a infância do personagem, mostrando ele e seu irmão, Sota, jogando basquete na rua e se divertindo. Até dois amigos de Sota o chamam para pescar e ele deixa o irmão, que pede para ir junto, mas é excluído por não ter idade o suficiente para acompanhá-lo. Para quem não leu o One-Shot, Miyagi diz para seu irmão nunca mais voltar e então vemos que ele e os outros meninos sofreram algum acidente em mar aberto e nunca mais foram encontrados.
Esse contexto muda completamente o personagem de Miyagi, se antes ele era visto apenas como um cara positivo e determinado em levar o time para frente, agora ele parece tentar carregar o legado do irmão e tentar viver seu sonho de ser um profissional, como na passagem do bastão nas corridas de revezamento. O filme desenrola a partir desse grande conflito interno do personagem e vemos seus desdobramentos em quadra, um cenário cheio de pressão para todos os membros do time. Durante duas horas e quatro minutos, eu pude me ligar ao personagem e viver aquele conflito que li muito tempo atrás sob outra perspectiva. O sentimento foi como finalmente entender um colega que sempre estava ao meu lado, mas sempre distante.
Com certeza não sou o único arrependido de não ter valorizado Miyagi como deveria, a cola que mantém o time unido dentro da quadra parece, dessa vez, alcançar até mesmo a plateia. Caso você nunca tenha visto nada sobre "Slam Dunk", eu recomendo assistir por ser uma obra fechada nela mesma e não depende tanto de saber dos conflitos anteriores, apesar de deixar tudo mais legal. Digo isso porque o valor do filme não se restringe apenas às histórias contadas, mas também na equipe por trás desse incrível filme.
A primeira coisa a se destacar é a mescla entre 3D e 2D, com cenas fora da partida geralmente sendo em animação tradicional e no jogo mudando para técnica de animação 3D. Gosto de iniciar com isso por ser um elemento que pode gerar estranhamento em alguns e para outros ser até motivo para não assistir. Na minha opinião, ambas formas de animação foram muito bem utilizadas no filme e não causaram algum tipo de ruído na minha experiência ou apreciação em ver as cenas. Pelo contrário, eu novamente fiquei eufórico em assistir essa partida de novo. Outro elemento que colaborou nesse sentimento foi o design de som que está excelente, os sons dos tênis, da bola quicando no chão e outros mais estão lindos de ouvir e trazem um prazer sonoro muito bom. Segue algumas cenas de destaque (recomendo não abrir em tela cheia):
Segundo os meus cálculos, hoje, dia 13 de abril de 2024, faz exatos um mês que assisti "The First Slam Dunk" pela primeira vez, então ainda é algo muito recente e minhas visões sobre o filme podem mudar com futuras assistidas. Mesmo assim, esse vai ser um dos texto que vou olhar pra trás e continuar gostando, mesmo se acabar discordando de tudo no futuro. Esse filme foi uma oportunidade de revisitar uma das obras importantes para minha formação como leitor e pessoa, e sou muito grato por ter visto esse filme fora do lançamento junto da minha namorada, uma pessoa também muito importante nesse processo. Sem ela, talvez as coisas tivessem sido totalmente diferentes, então muito obrigado, Amor!!
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