Na última quinta-feira (26), tive a oportunidade de assistir Look Back, filme adaptado do mangá de volume único escrito por Fujimoto Tatsuki, que acaba de ser lançado aqui no Brasil e está disponível apenas em um número restrito de cidades. Por já ter tido contato com o material que serviu de base para a animação e ser um fã de muitas obras do Fujimoto, é natural que este seja um dos lançamentos mais aguardados por mim para este ano.
Após sair da sala de cinema, encontrei-me sem palavras para expressar o que senti ao ver o filme, como se meus sentimentos estivessem tão emaranhados que fosse incapaz de distinguí-los naquele ponto. Agora sinto que enfim pude digerir melhor as coisas e posso vir até vocês para compartilhar um pouco da minha experiência com Look Back.
A trama gira em torno da protagonista Fujino Ayumu (藤野歩), uma aluna da quarta série muito popular pelas tirinhas que publica no jornal da escola. Porém, a situação muda quando uma aluna reclusa que nunca vai à escola, Kyoumoto (京本), passa também a compartilhar seus incríveis desenhos no impresso e chama atenção de todos, inclusive de Fujino. Assim surge uma rivalidade velada que posteriormente se tornará uma grande amizade entre as duas desenhistas que sonham em criar um mangá de sucesso.
O filme é o primeiro longa-metragem produzido pelo estúdio Durian, fundado em 2017 por Oshiyama Kiyotaka e Nagano Yuki, que até então trabalharam apenas com pequenos projetos, prestando assistência para trabalhos em outros estúdios, como em The Boy and the Heron, FLCL: Shoegaze, The First Slam Dunk, Chainsaw Man e outros. O estúdio tem a proposta de realizar produções que fujam das lógicas da atual indústria de animes e que seja um espaço agradável para artistas que desejam experimentar novas linguagens. Apesar de recente, o estúdio tem ganhado credibilidade com suas assistências e agora se finca como um agente relevante no mercado ao faturar mais de 1 bilhão de ienes de bilheteria com Look Back (R$38,2 milhões na conversão). O estrondoso sucesso, porém, não parece uma tacada de sorte, mas o óbvio resultado do esforço conjunto de talentosos artistas.
Responsável pela direção, design de personagens e artista por trás da metade das sequências de animação de Look Back, Oshiyama se destaca na indústria desde seu trabalho como diretor de animação no anime Den-Noh Coil, passando a ser procurado pelo seu nível técnico e versatilidade de trabalho. Contudo, o maior destaque da sua carreira fica mesmo na sua participação na segunda temporada de Space Dandy, onde ele fez o script, storyboard, dirigiu, criou designs de personagens e cuidou da animação principal, além de algumas intermediárias, do episódio 5 praticamente sozinho. Dois anos depois, ele fez sua estreia como diretor de série de Flip Flappers, em que novamente executou diferentes funções, desde direção à animação, para conseguir manter a consistência do anime, mesmo diante das dificuldades do cronograma imposto. Esse contexto é importante porque ajuda a entender o desgaste de Oshiyama com a indústria e sua vontade de trabalhar com equipes mais reduzidas e controladas, que é o caso de Look Back.
Em entrevista para o Anime News Network, o diretor afirma que a criação do Durian é fortemente associada pelo trabalho em Flip Flappers, com ele convidando os demais colaboradores para se juntar a ele em sua empreitada. Com o auxílio do digital, muitos dos processos de animação que demandariam toda uma equipe poderiam ser cortados ou facilitados. Foi nessa perspectiva que o filme de Look Back foi concebido. “Tive experiências em que trabalhava com uma grande equipe por um longo período, e nesse cenário, o que você quer transmitir não é compreendido. Então, trabalhando em equipes menores com pessoas que são companheiros de confiança, estou tentando levar as coisas em uma direção que reduza o estresse. Essa é a posição em que estou agora.”, afirma.
Muitos olhariam a carreira de Oshiyama e o chamariam de gênio ou coisa parecida, todavia tais títulos ignoram e até simplificam todo esforço e trabalho proveniente de uma quantidade obscena de tempo gasto em estudos e prática. Arte é vista por muitos como uma dádiva de Deus ou pertencente àqueles capazes de fazê-las, como algo restrito a um seleto grupo de pessoas dotadas de muita sensibilidade. Pelo contrário, o processo da arte é exaustivo, estressante e, muitas vezes, demorado, um esforço sem um propósito objetivo e que não dá uma recompensa clara e imediata. Foi nas reclamações de Fujimoto sobre as dificuldades da criação de mangás que o diretor pôde encontrar uma intersecção que o ligasse intimamente à Fujino e Kyoumoto.
Com um aspecto menos finalizado e cheio de linhas indefinidas, o filme apresenta não só a jornada das protagonistas para serem autoras de sucesso, mas também a trilha percorrida com todas as suas alegrias, dores e arrependimentos. As imagens produzidas parecem guardar sentimentos muito genuínos, puros, que ressoam justamente pela simplicidade das formas animadas. Ver as duas crianças apenas sorrindo, correndo ou se mexendo abobalhadamente transmite uma felicidade e gera um fascínio que deixa o público vidrado na tela, mesmo que não aconteça nada inusitado. A primeira sequência apresenta perfeitamente a cara do filme com uma longa cena das costas da Fujino trabalhando em uma de suas tirinhas, mostrando ela apagando e redesenhando elementos diversas vezes. Até uma mudança repentina de estilo e a aparição de desenhos amadores, para dizer o mínimo, de um casal encenando uma esquete de comédia que rapidamente se revela como a dramatização da tirinha recém criada de Fujino.
O contraste entre os momentos alegres das duas artistas e a crise que levou à separação da dupla foi dilacerante. Por não saber lidar com as próprias inseguranças, Fujino é cruel com Kyoumoto de uma forma que rasga o coração de quem assiste. A maneira como o cinza toma conta do filme transforma o clima leve e inocente em algo fúnebre e aumenta cada vez mais a angústia, que chega ao ápice com o anúncio da morte de Kyoumoto. Sem sua amiga, de quê serviu tanto trabalho durante tantos anos se Fujino não tinha com quem compartilhar suas conquistas? Foi perdida que a personagem pôde finalmente olhar para trás e perceber pelo quê teve que se dedicar tanto, apesar de admitir nunca ter gostado de desenhar. Pensar que as coisas poderiam ter sido diferentes, que ela poderia ter se reconciliado com Kyoumoto, só faz lembrar dos arrependimentos quando ela poderia recordar da infância que dividiram desenhando e se divertindo. Em seu final, Look Back parece questionar quem vai ao cinema sobre o porquê de seguir em frente mesmo tão machucado por dentro. É impossível segurar as lágrimas ao se ver contra a parede e sem respostas para uma pergunta tão poderosa. Por que você vive? Por que seguir em frente? Infelizmente ainda estou tentando responder esse questionamento.
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