O Nome da Rosa é bem ruim

 Olá, estava querendo escrever alguma coisas pra testar melhor as ferramentas, mas não queria escrever qualquer coisa. Então, decidi reutilizar uma resenha que escrevi sobre o filme O Nome da Rosa que fiz como um trabalho da faculdade. E mais uma coisa, escrevi essa resenha bem em cima da hora, por isso eu acabo não fechando necessariamente todas as pontas que coloquei no início o texto e fui um pouco mais corrido para escrever o terceiro ato. Dadas essas informações, fiquem com meu texto:

O Nome da Rosa e o Medievo

Introdução:

 Filme lançado em 1986, e dirigido por Jean-Jacques Annaud, é uma adaptação do livre de mesmo nome. Um clássico do cinema e da literatura. Repleto de pontos interessantes e, para essa resenha, escolhi dar enfoque em um aspecto mais negativo dessa obra, mas não me manterei somente no campo da depreciação e pretendo dar meus trocados elogiando algumas passagens.


 O filme abre com uma narração vinda do futuro, como se um velho homem estivesse redigindo um relato sobre os acontecimentos que começaremos a assistir, seguida de uma cena mostrando dois personagens indo em direção a um mosteiro que supostamente abriga algum tipo de entidade demoníaca e que os dois homens do início estão lá para investigar o caso. Dada a premissa, é interessante ver como os elementos centrais do filme se estabelecem rapidamente como o contraste entre a razão e a fé através do personagem de Willian e seu aprendiz Adso, respectivamente, mas também vai se refletir nos outros Franciscanos e membros da Igreja Católica. Outro elemento que chama atenção é como os responsáveis pelo assassinato são apresentados logo de início, induzindo quem está assistindo a não perder tempo pensando em quem está matando, mas em como e por que estão matando. Pode parecer bobo, mas isso é de extrema importância para o telespectador entender a resolução do filme, já que toda cena em que eles aparecem chama a atenção do espectador e deixa ele mais suscetível a pegar pequenas pistas para a motivação dos personagens e não ter uma possível quebra da sua suspensão de descrença na revelação final. E por fim, teve a introdução ao paganismo e aos personagens que constituem esse núcleo, que em primeira vista não servem para nada além da trama do filme. Ou seja, eles não contribuem necessariamente para a discussão central do filme, razão versus fé, e sim para movimentar e ligar núcleos diferentes da história e servir de ferramenta para resolver algumas passagens do mistério como a ligação entre as duas primeiras vítimas que é fundamental para o personagem do Willian ligar os assassinatos e chegar a sua conclusão. Lembrando, isso pode ser afirmado como uma visão superficial sobre esse núcleo, mas ele ajuda a revelar o meu principal problema com esse filme

Esse plano bem aberto junto dessa fileira sem fim de pessoas, ajuda a mostrar o quanto essas pessoas são miseráveis. Tanto pela pobreza aparente por conta do campo vazio, mas pela literal pequenez dessas pessoas em relação ao mundo. Ainda finaliza com essa estrutura queimando em primeiro plano, pra deixar ainda mais escancarado que essas pessoas vivem em um cenário hostil.

 Antes de sair desse primeiro ato do filme, que pode ser colocado como a primeira uma hora até a morte do assistente Berenger, gostaria de fazer pequenos comentários sobre algumas coisas mais específicas nessa primeira parte. Gostei da passagem do Willian e Adso chegando no mosteiro, toda essa trilha deles até aquela entrada filmada de baixo para cima deu-me uma sensação de que algum tipo de perigo estava à espreita mesmo fora das propriedades dos monges, com toda aquela vastidão sem nenhuma arvore e as madeiras queimando, como se fizessem parte da fundação de uma casa que foi incendiada. Sem falar da trilha que entrou de maneira gradativa, mas poderosa, com aquele coral mais pro fim da música. Outra coisa legal é como o diretor filmava o espaço dentro do mosteiro, mesmo parecendo bem grande de fora, muitas tomadas me traziam uma sensação muito mais claustrofóbica, como se faltasse espaço para toda aquela gente. Esses elementos e algumas interações entre personagens criaram uma boa curva de tensão até o momento de reviravolta para o segundo ato. Falando dela, esse ponto da história tem uma cena muito boa do Willian revelando toda a trajetória de assassinatos de maneira eletrizante, junto de cenas muito boas de cada um dos personagens entrando em contato com o livro, algo que deixa a revelação ainda mais impactante. O último elemento que queria comentar é a dinâmica entre Willian e Adso, essas interações do aprendiz abobalhado e o mestre astuto criam situações até engraçadas durante o filme e ajudam a aliviar a tenção de alguns momentos e evitam uma possível saturação do público com algum momento. Tem outra coisa que permeia esse primeiro terço do filme que gostaria de comentar, mas vou falar melhor sobre isso no segundo e terceiro ato.

Começo do Problema:

 Logo de cara, a oposição principal à razão ganha forma na Igreja, fé. Ao se utilizar de Adso no primeiro ato como personagem que contrapõem a razão de Willian, em passagens onde o personagem é mais covarde e acreditando piamente na existência de demônios no mosteiro para logo depois Willian aparecer e auxiliá-lo, o filme escolhe fazer uma disputa “mais fraca” nesse cabo de guerra onde um está claramente dominando o outro, mas logo ajusta isso redimensionando esse conflito com a Igreja. Essa oposição ideológica dá força ao confronto de Willian contra seus irmãos Cristãos, Católicos e Franciscanos. E essa passagem vai ser o início da minha fala sobre meu problema com esse filme que é sua visão extremamente iluminista. Ao começar por essa oposição entre fé e razão que esconde outro conflito que fica um pouco mais implícito, mas é revelado pela figura do Adso. Sendo esse conflito a lógica versus emoção, com a lógica vindo do comportamento de Willian ao investigar todo o caso e se preocupar muito com certas circunstancias mais matérias, como os livros e as próprias pistas que logo após serão encadeadas por esse princípio, enquanto Adso muitas vezes se deixa guiar pela emoção e acaba atrapalhando seu mestre ou se distraindo com o amor. Esse conflito fica um pouco mais claro com a passagem da biblioteca labiríntica quando o personagem questiona seu mestre quando mandado priorizar os livros em vez de ajuda-lo, e que será rememorada no terceiro ato. Alguém pode até argumentar ser um equívoco encara essa discussão sobre as emoções de maneira negativa, já que foi seu amor e fé que fez Adso ajudar a salvar a personagem camponesa que, de certa forma, dá nome ao filme. Essa é realmente uma boa resposta, mas eu discordo dessa visão por um simples motivo: o amor é tratado de forma a ser superado pelo personagem. Ao fim do filme, ele deve escolher entre seguir seus sentimentos e continuar sendo um Franciscano e ele escolhe renunciar aos seus sentimentos e seguir única e exclusivamente sua fé, elemento esse que é posto como algo a não se seguir por conta de toda série de acontecimentos terríveis que foram feitos para manter os status da fé como princípio dominante naquela realidade, os assassinatos. Ou seja, é possível encarar toda a jornada do personagem do Adso no filme como uma trajetória de crescimento que começou justamente quando ele negou um dos aspectos negativos do filme, a emoção/amor. Essa jornada ajuda a evidenciar como a narrativa do filme é iluminista, filosofia que se manifesta fortemente no personagem do Willian. Mas qual o problema afinal?

Adso e sua Rosa


Não é raro ver Adso todo acuado enquanto Willian está firme e centrado.


 Alguns problemas começam a vir em cascata por conta dessa visão estar fortemente marcada no filme, a primeira delas é sem dúvida essa noção da idade das trevas. Essa nomenclatura se refere ao período medieval e carrega a ideia de que essa época foi marcada por um entrave do conhecimento e condenação da ciência, junto de uma noção de sujeira e doenças, alienação ferrenha da igreja com seus súditos e de que não ouve nenhum avanço relevante, leia-se científico, para humanidade. Isso tudo junto de um menosprezo pelo sensível e a cristalização da razão e lógica científica. Vou tentar comentar respectivamente como alguns desses elementos se manifestaram até aqui. O primeiro e mais escancarado é a ideia de uma sociedade suja, mesmo nos mosteiros a sujeira é vista em diversos ambientes como a sala de abate de animais, o local de trabalho dos escribas com ratazanas circulando pelo chão, as ruas e casas da vila e, principalmente, as pessoas que vivem lá, de camponeses até alguns personagens do mosteiro. Essa sujeira toda nos traz uma certa repulsa pelo lugar, mas principalmente pela sua população em especial que está sempre coberta de sujeira. Puxando essa exemplo da população constantemente suja, existe outros elementos que nos distanciam do cidadão comum dessa época, sua animalização ao longo do filme. Um dos elementos que corroboram para essa afirmação é a já citada sujeira onde eles vivem e “vestem”, mas o elemento mais preponderante é sem dúvida a ausência de falas, fazendo com que eles só se comuniquem ao longo de todo filme com barulhos desconexos. Tudo isso remonta ao estereótipo de uma população alienável e animalizada que foi muito difundido pela corrente iluminista, que também carrega uma visão higienista. Isso tudo sem mencionar as representações que o filme faz de pessoas com deficiência e homossexuais que são usadas também para repassar essa mensagem. Outro elemento que pode ser percebido no filme é essa submissão das pessoas mais na base da instituição Igreja em relação ao topo de hierarquia, algo que pode ser considerado até uma artimanha do roteirista para evitar certas complicações como o fato dos membros do mosteiro assumirem uma posição menos passiva e ajudar na investigação. Uma característica que se manifesta de maneira um pouco mais indireta é a supressão da ciência, na medida que os personagens do núcleo da Igreja, portanto seus representantes, se opõem a essa racionalidade de Willian, que por sua vez exerce o papel de representar o pensamento científico através da racionalidade. Outra manifestação disso é a forma como os livros são tratados, também um símbolo do conhecimento racional. Por exemplo, o próprio ato de tentar acessar a biblioteca é tratado como perigoso e arriscado por conta do medo que a Igreja proporciona e como ela condena quem tenta acessar esse tipo de material, mas, ao mesmo tempo, quando algum personagem entra em contato com esse conhecimento é retratado como se ele estivesse sendo iluminado pelo saber. Como na cena em que o tradutor de grego é mostrado lendo o livro com um sorriso em seu rosto e um olhar vidrado nas páginas. Toda essa passagem ajuda a evidenciar o esforço ativo do filme em antagonizar a Igreja como essa instituição contra o intelectual.





O Riso:

 Para não me delongar mais, vou partir para o terceiro e último ato da história, marcado pela decisão de Willian de se contrapor à decisão tomada pela Santa Inquisição. Pra ser mais direto ainda, quero comentar sobre a revelação de que as mortes ocorreram porque o líder do mosteiro não queria que o medo que a Igreja colocava em seus fiéis fosse quebrado pelo riso através do livro escondido na biblioteca. Novamente, alguém pode tentar dizer que as emoções são retratadas de maneira positiva, mas dessa vez falando que o riso é considerado a maior arma contra a Igreja, e que emoção é mais espontânea do que o riso? E novamente, é uma colocação boa, mas também desconsidera o propósito desse elemento no filme que é exacerbar como a Igreja era má e controladora e que eles manipulavam seus súditos, controlando acesso à informação etc. O riso não é importante pela sua existência em si, de ser uma emoção, mas sim para quebrar com o poder dominante e colocar a ciência no lugar. O riso é reduzido no fim a um propósito meramente instrumental. Depois disso, os membros da Igreja são quase todos mortos enquanto Willian consegue escapar das chamas que surgiram no mosteiro, segurando alguns livros nas mãos quase como se ele estivesse enfim libertado o conhecimento das garras da religião e recompensado as ações do personagem como bastião da razão. Mesmo quando suas escolhas possam ser consideradas questionáveis como valorizar mais um livro do que a própria vida.

Isso não representa o riso
ISSO representa o riso


Conclusões:

 Por fim, era isso que eu tinha para dizer. Gostaria de ter comentado bem mais algumas partes como o machismo dentro do filme, mas não quero que essa resenha fique longa demais e acho que já falei o que mais me incomodou enquanto assisti ao filme. Para imitar esses críticos que vi em desenhos e séries, dou uma nota de 2,5 estrelas para O Nome da Rosa. Não é de todo ruim, mas não sei se recomendaria para algum amigo assistir.


 

2 comentários:

  1. muito foda! pior que ler essa analise só me deu mais vontade de ver, adoro uma unidimensionalização de um assunto muito mais complicado. (ao mesmo tempo que eu adoro uma complexificação de algo simples vai entender)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, pelo elogio. Eu admito que compartilho dessa tua vontade, mas pelo motivos de que geralmente eu acho engraçado quando algo é ruim ou mau feito, e esse tratamento unidirecional geralmente não gera bons resultados. Porém, é sempre muito bom quando acertam em filmes assim.

      Excluir